Natural de São Luís, formada em Psicologia e Pedagogia, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela UnB, atualmente Giovana Vieth atua como Analista Judiciária no Tribunal de Justiça do Maranhão e professora do curso de Psicologia do UniCeuma.
Casada e mãe de um filho, Giovana já trabalhou com educação infantil e psicologia hospitalar, mas hoje se dedica à sua paixão, docência no ensino superior, onde também desenvolve um grupo de estudo e pesquisa sobre “Psicanálise e Gênero”.
SoT: Quais os trabalhos/projetos que você já realizou e que te deram maior prazer?
Giovana: Não existe atividade profissional que mais me dá prazer do que a docência no ensino superior. Apesar de ter trabalhado bastante tempo com crianças, percebi logo cedo que não era minha praia. É maravilhoso trabalhar com elas, mas sempre me fez falta o debate acadêmico. Eu sempre gostei do ambiente Universidade, gostava de ser universitária. Sempre achei que lá era o melhor ambiente para te ensinar a pensar além, a contestar, a conhecer as outras formas de realidade que não a sua. E a minha experiência na Universidade serviu muito para isso.
O que mais acontece hoje em dia são situações nas quais nos mostramos completamente hipócritas… Eu digo sempre “nós” porque somos todos nós, em maior ou menor proporção.
SoT: Estamos em 2015 e começamos a ver algumas mudanças no cenário político da cidade. Mas ainda existem muitas questões políticas, sociais e culturais que permanecem inalteradas. Como você vê a cidade de São Luís? O que te agrada e o que te incomoda?
Giovana: Eu acho São Luís uma das cidades mais lindas do mundo. Um dos meus sonhos é morar em um casarão daqueles do Centro Histórico, todos maravilhosos. Eu vejo São Luís como uma linda cidade extremamente maltratada, sofrida. A estética da cidade me agrada demais, mas, infelizmente, existem outros problemas que acabam por ganhar uma grande proporção, e aí essa beleza vai se perdendo, se perdendo… Acho que o que mais me incomoda atualmente são as questões ligadas à precariedade da educação, a falta de desenvolvimento de políticas públicas e, mais recentemente, a violência.
SoT: Dos pontos citados, tu achas que algo poderia ser descartado ou adaptado?
Giovana: As políticas públicas precisam ser mais trabalhadas e adaptadas. Na verdade, elas precisam ser colocadas em prática e se afinarem ao contexto social, cultural e econômico que buscam atender.
SoT: E o que você acha que poderia ter mais investimento?
Giovana: Acho que os investimentos poderiam visar a educação e as políticas públicas em geral. Além disso, as pessoas daqui precisam ocupar o espaço público de forma digna, nos âmbitos social, político e econômico. O investimento deve ser pelo empoderamento das pessoas e não pela sua exclusão.
SoT: Mas para que toda essa mudança ocorra, precisamos que as pessoas comecem a atuar como agentes de mudança. O que você acha que deveria mudar no comportamento das pessoas, para que essas transformações ocorressem?
Giovana: O que mais acontece hoje em dia são situações nas quais nos mostramos completamente hipócritas: reclamamos da presidente, mas recebemos salário sem trabalhar, reclamamos de corrupção, mas compramos um diploma para o nosso filho e por aí vai. Eu digo sempre “nós” porque somos todos nós, em maior ou menor proporção. Quando dizemos “eles” dá a entender que estamos falando de algo muito distante de nós e não é mesmo! Ser agente de uma mudança não significa ir à passeata e depois ir ao shopping, estacionar na vaga de deficiente e comprar lá uma roupa com o dinheiro que você ganha sem frequentar o trabalho. Mas você foi à passeata, então está ok! Ah, mas não está mesmo. É muita hipocrisia da nossa parte. Parece que nossa vida virou um Facebook eterno, em looping: a gente tem algumas atitudes, mais para ter onde e quando tirar uma selfie, do que para realmente mudar algo no nosso comportamento, na nossa rotina.
Não dá para fingir que você não percebe que existem pessoas privilegiadas em detrimento de outras, que muitas pessoas acabam sendo excluídas da sociedade simplesmente por um processo de “higienização”, o que acarreta a não participação delas no espaço público, nas políticas públicas, na educação.
SoT: Quais os ganhos que a cidade terá com essas mudanças de comportamento?
Giovana: Se a gente começar a ser menos hipócrita? Bom, acho que a cidade ganha muito! Vai ganhar desde a diminuição dos comentários sobre a vida alheia, sobre quem dorme ou deixa de dormir com quem, até a conscientização que quebra todo o sentido da hipocrisia: depois que eu me olho no espelho e me vejo, como é que eu vou fazer essa ou aquela coisa, como é que eu vou dizer isso ou aquilo? É um exercício diário, que a gente pode tentar aos poucos – análise ajuda também hahahahaha
SoT: Como você age no dia-a-dia de forma que essas ideias sejam expostas?
Giovana: Eu tento agir com coerência. Não dá para ficar tendo atitudes que recriminamos tanto nos outros. Não dá para fingir que você não percebe que existem pessoas privilegiadas em detrimento de outras, que muitas pessoas acabam sendo excluídas da sociedade simplesmente por um processo de “higienização”, o que acarreta a não participação delas no espaço público, nas políticas públicas, na educação. Eu procuro me utilizar de artifícios para incluir, para disseminar o conhecimento sobre si e sobre seus direitos, sobre suas possibilidades de participação social. Utilizo-me do espaço Universidade para isso, mas ainda é pouco.
SoT: Existe algum projeto que você realiza hoje, ou gostaria de realizar, para ajudar na transformação da cidade?
Giovana: Acho que a única coisa que eu estou envolvida hoje e que pode trazer algum tipo de transformação são as atividades que desenvolvo dentro do UniCeuma. Nas aulas, as discussões são cada vez mais ricas porque os alunos representam, cada vez mais, diversas classes sociais, culturais e econômicas. Isso é algo novo no nosso país, imagine em nossa cidade. Não existe nada mais legal na Universidade do que a diversidade. O grupo de estudo que conduzo junto com a professora Rafisa Lobato também é um espaço maravilhoso de discussão, que visa, também, transformação. A gente discute gênero e todos aqueles assuntos que estão engendrados nesse tema: feminismo, empoderamento, transexualidade, homossexualidade, heteronormatividade, orientação sexual, identidade de gênero. Eu encaro como algo muito prazeroso, mas que também tem um significado político, pois a gente deseja mesmo preparar os alunos, futuros psicólogos, para compreender a complexidade desse tema e, consequentemente, lidar melhor com essas questões.
Ainda existe muito desconhecimento sobre isso. Além disso, pretendo me vincular a grupos que procuram desconstruir o ideal social patriarcal, que discutam o movimento feminista e tudo o que envolve, de forma crítica, a heteronormatividade. São Luís já tem alguns grupos e coletivos que atuam nesse sentido. Estou conhecendo-os ainda.
SoT: Existe algum projeto que você gostaria de ajudar a divulgar e que teria um forte impacto, caso recebesse o investimento ideal?
Giovana: Vou citar alguns projetos que tomei conhecimento há pouco tempo, mas que considero muito bacanas: Projeto “Curta a diversidade”, que discute a diversidade sexual e de gênero junto com o cinema; Coletivo “Fridas”, que é um coletivo de mulheres feministas daqui de São Luís; e o Movimento “Sebo no chão”, que ocorre todos os domingos na praça, em frente à Igreja Católica do Cohatrac, importante pois promove a cultura, ocupando o espaço público.
2 Comentários
Parabéns ao blog pela entrevista! Giovana é uma das poucas pessoas que conheço, que “traz” em si a consciência da necessidade de sermos autênticos no caminho desta tal de humanidade. Vale a pena ler e considerar cada palavra dita aqui, pois vêm de quem realmente as vivencia como verdade.
Obrigada Hannyery!
Sempre que possível iremos expor a opinião de pessoas com esse tipo de visão. Precisamos fazer com que elas sejam conhecidas pelo máximo de pessoas da cidade.
Se você puder nos ajudar a divulgar o projeto, além de nos indicar alguém para que possamos entrevistar, seria ótimo para todos.
Obrigada novamente.